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AQUA TEEN HUNGER FORCE COLON MOVIE FILM FOR THEATERS
por Bernardo Krivochein (Zeta Filmes)
Equipamento de ginástica apocalíptico grávido. Orgia gay entre Doritos plutonianos e O Fantasma Cibernético de Natais Passados (um Cyborg Pato excitado por colunas de metal). Complexo de lofts nova-iorquinos em indústria do gênio do mal habitada por homens casados com galinhas e monstros caolhos. Melancia voadora que transporta Neil Peart do Rush (em sua estréia cinematográfica), o único capaz de realizar o Solo de Bateria da Vida e ressuscitar uma almôndega falante. Blocos de Pixels de Atari vilanescos vomitando em uma montanha-russa após ingerirem um pote inteiro de maionese. Uma Aranha DJ de hip-hop chamada literalmente “MC Mija-Calças” tocando em uma festa no Inferno. Abraham Lincoln macumbeiro construindo um foguete de madeira e se teletransportando pelo tecido do tempo-espaço. O que esperar de um filme cuja campanha promocional foi confundida com um atentado terrorista e fez parar a cidade inteira de Boston?
Levando o seriado às últimas conseqüências, “Aqua Teen Hunger Force Colon Movie Film For Theaters” é um ataque à ditadura do “sentido” através da violação dos “sentidos”, do confronto à censura. Mais além, é o pioneiro grande manifesto do pós-pós-surrealismo. A visão de um grupo de alimentos em embalagens descartáveis antropomórficos, habitantes de um subúrbio americano, tentando impedir uma ameaça alienígena (porém saudável para o físico) enquanto descobrem acidentalmente suas raízes deixaria Buñuel e Dalí verdes de inveja já mesmo a partir da impossibilidade de sua concepção e recepção. A gênese de “Aqua Teen Hunger Force” é por si só uma barreira erguida pela ciência da incompreensibilidade, cujo padrão de qualidade é a repleta falta do mesmo. Sua existência é algo tão inconcebível que o torna uma heresia.
“Aqua Teen Hunger Force Colon Movie Film for Theaters” segue em frente destemido, repleto de atitude e autoconfiança. Juro por Deus, este filme estava cagando e andando para o que eu ou qualquer pessoa achava dele. Para falar a verdade, os diretores chegam a impor uma inassistibilidade ao filme que o faz oscilar entre o insuportável e o absolutamente sublime. Estaria mentindo se dissesse que eu ri sem parar, mas não seria exagero dizer que eu não consegui passar mais de 10 segundos sério. O filme de Dave Willis e Matt Maiellaro é mais do que um sopro reconfortante de vida em uma contracultura adormecida; “Aqua Teen Hunger Force” é pós-contracultura, opõe-se a toda e qualquer coisa existente, masturbando-se furiosamente em cima de sua ridícula falta de trama principal e gozando aleatoriamente suas piadas vulgares, cruas e insanas no rosto do espectador, boquiaberto, rendido e engasgado. “Aqua Teen Hunger Force Colon Movie Film For Theaters” estabelece ele mesmo o próprio caos que os escritores necessitam para gerar o humor.
Na sua já histórica seqüência de abertura, o filme não apenas assume as verdadeiras intenções comerciais de uma produção cinematográfica qualquer (o espectador pode perfeitamente sair do cinema antes do filme começar, já que o dinheiro – que era o grande interesse - já foi pago mesmo e cinema só apresenta possibilidade de ressarcimento em casos extremos), mas vai além ao defender a visão do autor com uma sonora ameaça à crescente falta de educação do público cinematográfico: o anúncio vintage de bombonière se transforma num videoclipe de trash metal (protagonizado por um grupo integrado por uma jujuba com piercing e um nacho baterista, entre outros) cujas letras – que surgem legendadas, para não haver erro de interpretação – comandam o espectador a prestar atenção no filme, não beijar a namorada, não trazer bebês ao cinema, não piratear e a não chutar a cadeira da frente – todos os “crimes cinematográficos” com direito a punição gráfica (“Não converse! Assita!” urra o vocalista). Tal seqüência é uma forma hilária de defender e atualizar uma experiência cinematográfica clássica, situação na qual “Aqua Teen Hunger Force” desconfortavelmente se encaixaria. O longa-metragem dificilmente pode ser considerado cinematográfico, assim como decididamente não é televisivo. Num flashback expositivo, o Fantasma Cibernético de Natais Passados (e esse é o nome oficial do personagem) recorre a uma ilustração em still, praticamente um scroll, que aborda todos os elementos que fariam do Insanoflex, o monolito de “Aqua Teen Hunger Force” (trata-se de um aparelho de ginástica alienígena maligno), uma ameaça intergaláctica. Os que acusam a pobreza técnica do desenho animado, os diretores confrontam com uma imagem desprovida de qualquer movimento (o que não é nada cinematográfico ou televisivo), e sub-arte por pertencer ao (claramente) descritivo.
Nenhuma referência cultural das que abundam pelo roteiro são de fácil acesso e me surpreenderia caso eu tenha captado sequer um quarto delas – já que sua escolha prima pela obscuridade pop de eventos descartáveis que empilharam os EUA nos anos 70 e 80, e aos quais o resto do mundo – felizmente ou não – não teve acesso. Mas seu humor transcende esse exigente embasamento prévio, já que o tecido cômico se encarrega de revelar a farsa da multiplicidade cultural na era da fotocópia. É como se, realizando uma piada em cima do clichê dos filmes de bárbaros protagonizados por atores halterofilistas, ao invés de fazer referência a um “Conan, O Bárbaro”, que é uma idéia perfeitamente acessível e fixa no subconsciente popular, eles preferissem citar “The Beastmaster II” ou “Os Bárbaros” de Ruggero Deodato – e não de forma meramente superficial, mas lembrando de um momento esdrúxulo que somente aqueles que sofreram tamanho assalto cinematográfico poderão identificar. Ao compreender a piada obscura, o espectador é varrido por um sentimento de cumplicidade inabalável com os autores do filme. Em “Aqua Teen Hunger Force”, não apenas as referências como as próprias piadas originais (de humor difícil, duvidoso, até pesado) acabam se tornando fatores de cumplicidade entre autor/receptor.
E dessa forma inesperada, “Aqua Teen Hunger Force” torna-se um filme profundamente intimista, onde as gargalhadas histéricas não são tentativas desesperadas do espectador burlar a passividade intrínseca à experiência cinematográfica, mas a conseqüência final de um acúmulo de risadas tímidas consigo mesmo, que rompem a barreira de seu peito e explodem dentes afora em direção à tela, a mesma que o metralha com cada vez mais e mais motivos para continuar rindo. Ainda que o filme agrida o espectador com suas últimas palavras, é uma daquelas ofensas que só podem ser ditas quando o relacionamento já teve comprovado o mais intenso grau de intimidade. E no final das contas, os autores passaram os últimos noventa minutos se humilhando de maneira tão espetacular que as ofensas não são recebidas como provocação, mas como um voto de confiança batalhado às duras penas, um atestado de que o espectador, finalmente, faz parte da gangue.
“Aqua Teen Hunger Force Colon Movie Film For Theaters” EUA, 2007. 86 mins. Direção: Matt Maiellaro e Dave Willis. Com as vozes de: Dana Snyder, Dave Willis, Carey Means, Andy Marrill, Matt Maiellaro, Bruce Campbell. Distribuidora: First Look Pictures. Site oficial: http://www.kingcolon.com/
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