por Hermano Vianna
Interessante encontrar Vivianne Westwood agora no núcleo duro do "sistema"
Duas semanas atrás, em Londres. Tudo punk-dominado: impossível, com olhar atento/“antenado”, circular pelos arredores chiques de New/Old Bond Street sem encontrar algum vestígio da influência cada vez mais consolidada que Vivienne Westwood exerce em certa cultura contemporânea. Os folders de suas novas coleções ordenavam em letras garrafais: “Compre menos.” Havia uma exposição de seus sapatos na loja de departamentos Selfridges. As vitrines da Lee traziam o lançamento de jeans com sua assinatura. E dentro do Palácio de St. James, residência real, na Garden Party organizada pelo príncipe Charles, Vivienne Westwood era a curadora de moda. Apenas Vivienne Westwood, não.
O material de divulgação do evento a tratava por Dame Vivienne Westwood, título ainda de alguma nobreza que recebeu em 2006.
Nada mal para alguém que inventou, junto com seu marido, Malcolm McLaren, e o designer situacionista Jamie Reid, o estilo visual e indumentário dos punks. Ou que, ainda no início dos anos 80, dizia fazer “moda de confrontação” e declarava: “Tenho uma visão política da moda: é uma maneira de contestar o sistema.” Interessante encontrála agora no núcleo duro do “sistema”, entronizada nas lojas mais comerciais e aliada de um príncipe que não esconde uma visão artística tradicionalista, vide seus ataques a toda tentativa de se construir edifícios de arquitetura (pós)moderna em Londres.
Mudou o sistema ou mudou Vivienne Westwood? A Garden Party do príncipe Charles não era uma festa qualquer, sem causa. Havia uma isca: os jardins cheios de História dos palácios Clarence House, St. James, Marlborough House e Lancaster House, geralmente cercados por forte aparato de segurança, estavam abertos para a população plebeia. Claro, era preciso pagar as libras da entrada, mas, repetindo a propaganda, por uma boa causa: o dinheiro arrecadado seria aplicado em alguma iniciativa ecologicamente correta de Sua Alteza.
Muitos debates, shows, exposições de projetos que nos incentivavam a poupar energia, deixar de viajar, não desperdiçar nada e até plantar a própria comida seguindo o exemplo da horta orgânica cultivada ali mesmo pelo Príncipe de Gales.
Confesso que fico sempre meio apavorado nesses ambientes verdes, achando que sou culpado pelo fim do mundo.
Também tenho implicância com a ideia de que a Natureza é boazinha e que tudo o que é artificial faz mal. Mesmo assim consegui me divertir nos jardins reais, descobrindo gente bem maluquinha, não apenas velhinhas fazendo bolsas com o tecido das cortinas velhas dos palácios.
Como o pessoal de moda reunido pela curadoria da Dame Vivienne Westwood.
Tenho certeza de que vão ser cada vez mais presentes em qualquer passarela: o pessoal do coletivo Noki House of Sustainability, a atriz Emma Watson (Hermione nos filmes de Harry Potter) agora também ecodesigner, ou a estilista Orsola de Castro, líder do movimento do “upcycling”, o termo fashionista para reciclagem.
Mas em nenhum momento deixava de causar estranheza a presença de ideias até bem extremistas em local tão “estabelecido”. O ar estranho dos tempos, onde está tudo — conservadores e vanguardas — junto misturado, ficou mais denso quando entrei, bem do lado dos palácios, no prédio do Institute of Contemporary Arts (ICA), ocupado pelos russos do Chto Delat?, coletivo ou “plataforma” formado por artistas, filósofos, críticos e escritores que tentam fundir teoria política, arte e ativismo. (E quando lembramos do poder que magnatas pós-Perestroika, como Roman Abramovich, exercem hoje em Londres — do futebol do Chelsea ao circuito de arte, isso para falar só na “superestrutura”... — tudo fica ainda mais pesado e animado.) Chto Delat? pode ser traduzido como Que Fazer?, título do livro de Lênin, que trata das “questões palpitantes do nosso movimento”. O pessoal do Chto Delat? faz muitas coisas bem palpitantes: vídeos, instalações, performances, um jornal, seminários etc.
Para Londres eles prepararam várias ações diferentes, que poderão ser acompanhadas até 24 de outubro.
Assisti ao final de um seminário que durou 48 horas. Os participantes tinham mesmo que ficar 48 horas juntos, inclusive comendo e dormindo juntos nas galerias do ICA. Terminou com uma performance brechtiana.
O tema era “Que lutas temos em comum?”, tudo comandado por Olga Egorova, artista que cria umas roupas filosóficas (a de que mais gostei era um vestido com a seguinte declaração bordada no peito: “Acordo às 6 para ler Hegel”).
No palco, divididos, dois grupos: os artistas e os ativistas.
Atrás deles, um coro cantando hinos comunistas. Os artistas recebem convite para exposição patrocinada por uma grande corporação, os ativistas fazem campanha contra a aceitação do convite.
Na plateia, a Liga dos Trabalhadores Culturais Revolucionários protesta: tudo aqui seria uma farsa ingênua, promovida com dinheiro público.
No final, palmas, risos — obviamente, nenhuma conclusão.
Sigo dali para a festa de 16 anos da Rinse FM, rádio que era pirata e comemorava sua oficialização recente no dial londrino. A programação era também extremista: dubstep, UK funky, grime.
Muito subgrave esquisito. Na fila da entrada, mais de três mil garotos normais, nada esquisitos.
De volta à contradição dominante: a contestação no poder, o choque e o banal de mãos dadas. Mundo complexo este “nosso”.
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