Do Surrealismo
por Ricardo de Mattos
Vários os movimentos artísticos que brotaram durante a primeira metade do século XX, posicionando-se merecidamente o Surrealismo entre os de maior consistência teórica e dos mais impressionantes pelos princípios estéticos desenvolvidos. Foi um dos mais duradouros, encaixando-se um pouco além do período entre guerras, pois os Prolegômenos De Um Terceiro Manifesto do Surrealismo Ou Não (sic) datam de 1.942. Além de Surrealismo, é costume referir-se ao movimento artístico como Supra Realismo e Super Realismo, havendo em Portugal quem defenda a expressão Sobre Realismo.
A semente do Surrealismo encontra-se no Dadaismo, mas costumam ser apontados como precursores remotos os poetas Rimbaud e Lautéamont, este autor dos Cantos de Maldoror. Também no movimento romântico os surrealistas foram buscar exemplos e fundamentos para suas teorias. O que fortaleceu o Surrealismo foi o acompanhamento e estudo pelos seus expoentes - encabeçados por André Breton - das então recentes descobertas de Sigmund Freud. Nem fortaleceu, o movimento calcou-se principalmente nestas descobertas, mas não sem uma interpretação pessoal e ainda insipiente, dada a novidade da matéria. Daí o carácter inaugural do Surrealismo, nem contestador, nem renovador. Rejeitava-se a "Arte Pela Arte" e a "Revolução Pela Revolução".
Uma das preocupações dos surrealistas era libertar o homem de uma vida predominantemente utilitária. Outra, emparelhar sua realidade profunda e a superficial. Os avanços da psicanálise indicaram-lhes veredas que passaram a explorar com avidez. O homem não deveria fugir da realidade, mas enfrentá-la. E a realidade a ser desvendada não é aquela superficial e corriqueira, porém a recalcada, sufocada em cada indivíduo. A Arte além de ser o melhor meio de expressão dos estados psíquicos, seria o melhor instrumento para alavancar o homem de seu interior profundo. Mesmo que se acredite no ser humano como composto de corpo físico e corpo espiritual, ao se tratar do Surrealismo fica-se mais à vontade limitando-se a falar apenas em "mente", e nisso percebemos sua face materialista e sua imanência. Descobrindo-se que o ser humano não é só aquilo em hodierno mostrado, são afastadas - ou mesmo abandonadas - as questões espirituais. Vamos ver primeiro o que o homem escondeu por todos estes séculos em seu âmago, para depois estudar se isto tem vida além da morte, se vai para o Céu, para o Inferno, ou se ficará perambulando pelo Nada.
A leitura do capítulo catorze do livro O Desconcerto do Mundo - do Renascimento ao Surrealismo, de Carlos Felipe Moisés, dá a impressão do movimento ter tido em Portugal uma conotação mais política - antisalazarista - que artística. Mais de contestação e de privilégio do choque que de investigação e chamamento à interiorização. No entanto, o Surrealismo original era declaradamente apolítico, apenas aliando-se surrealistas e comunistas por ocasião da guerra do Marrocos, mas sem intuito de confusão das doutrinas. Defendiam aqueles o máximo desvinculamento e liberdade, principalmente em relação à sociedade, devido à precisão de se livrar o homem da couraça por ele vestida perante ela. Nada externo deveria permanecer.
O Surrealismo considera a realidade aparente como insuficiente para o descobrimento da Verdade das coisas e para o conhecimento total do indivíduo. Como valer-se dos dados mesquinhos oferecidos no cotidiano, se o interessante ao conhecimento é soterrado pela convenção e pelo disfarce? A realidade apresentada em nada auxilia, está comprometida, ou mesmo invalidada, pois algo muito mais consistente foi abafado. A tarefa surreal era revelar uma Supra Realidade (o inconsciente, o inibido) e aproximá-la da Realidade, harmonizando-as, e n'esta equiparação entre o ser e o poder-ser, projectar um homem integral a horizontes mais amplos. É esta intenção em encarar o desconhecido no homem que impede em se ver o Surrealismo como uma apologia à fuga.
E também não se trata de um mero apelo ao irreal ou fantasioso. Filosoficamente pode-se explicar o Surrealismo como esta síntese que (I) não aceita o real como posto e (II) nem admite a saída fácil para a fantasia. O ideal é uma nova ordem abrangente do racional e do irracional, considerando-se a mente receptiva o suficiente ao estranho, sendo este um conceito antecipado àquelas coisas que ainda não foram estudadas.
Nesta introspecção, o surrealista valia-se do Humor, da Imaginação e da Loucura.
O Humor era procurado por seu carácter demolidor. Ridicularizava-se a realidade com o intuito de desacreditá-la, mesmo que fosse necessário chocar. Mostrando o ridículo, facilitava-se o desligamento com o superficial.
A exploração da Imaginação foi o que mais rendeu aos surrealistas. A capacidade de formar imagens ou combinar as percebidas era um prato cheio, pois o domínio da imaginação pode ter uma realidade tão grande quanto vislumbrada na vigília. E é o sonho o domínio da imaginação, pois neste "campo" ela encontra um curso livre principalmente do senso crítico. Algum filósofo da Antiguidade andou questionando a realidade que deveria ser considerada, se a de quando estamos acordados, se a de quando dormimos. Tão séria foi considerada esta descoberta, que o sonho passou a ter a mesma importância do pensamento na aquisição de conhecimento. Segundo Freud, o homem chegaria a uma consciência integral de si mesmo ao decifrar este mundo, com seus símbolos, desejos e inclinações reprimidas. Uma das consequências desta Supra Realidade oferecida pela imaginação é a eliminação do questionamento da possibilidade. Hoje parece fútil, mas vá ver o reboliço destas afirmações na época. O ser humano foi pego em posição constrangedora.
A consequência artística para esta observação dos sonhos, foi o estudo e acompanhamento da escrita automática, e neste campo entramos pela diferenciação entre concepção e execução. Todos já devem ter percebido que ao nos deitarmos, há um estado limite entre o sono e a vigília, no qual alguns ouvem vozes, outros murmuram, outros têm sobressaltos - eu tenho a impressão de queda neste momento. Pois bem, o poeta surrealista vê estes murmúrios e audições como elementos poéticos de primeira grandeza, pois o inconsciente impera e nenhuma regra constrange a pessoa neste instante. Até a hipnose é combatida, para que se chegue a este resultado naturalmente, sem a mínima provocação. Estas manifestações são avidamente anotadas e o resultado, seja qual for, é tido como poesia. Diante disso, podemos afirmar que o Surrealismo lida apenas com o expontâneo. Não lhe interessa o arrumado. Uma imagem surrealista não pode ser tida por metáfora nem, ao menos a priori, por fantasia. Um poeta qualquer compara o Tempo a um cavalo branco passando a pleno galope. O poeta surrealista menciona um cavalo branco a pleno galope e do contexto, da combinação com outras imagens que ele nos dá, tentamos inferir tratar-se do Tempo. Deve-se a esta suprema introspecção a critica recebida pelo movimento, pois tal subjectivismo impedia a compreensão alheia.
Além do humor e da imaginação, a Loucura mereceu cuidadosa análise. O facto de uma pessoal normal sonhar coisas absurdas levou a atentar às imagens dos alienados e à análise dos raciocínios feitos por eles. Os loucos não se adaptam à existência cotidiana, mas em seu mundo há tanta estabilidade quanto no nosso. Talvez até mais. Os alienados e suas imagens: eis o que trouxe a arte aos manicómios como forma de terapia. Neste ponto são vários os aspectos a serem considerados. O surrealista busca este estado de anormalidade mesmo precisando alienar-se temporariamente, aqui sim recorrendo a meios artificiais e repetindo os actos de alguns românticos - conta-se do recurso ao ópio, por Colleridge. O surrealista faz esta expedição ao inconsciente, mas de forma a poder voltar e contar suas visões. Ele almeja reconstruir certos delírios.
Outro ponto: descobrir mais sobre o raciocínio do homem normal valendo-se do raciocínio do alienado, considerando-o portador de uma lógica a nos escapar. O paranóico, por exemplo, além de refugiar-se n'um mundo particular, amolda a realidade circundante aos seus delírios. Aí o que intrigava os artistas da época, pois admitindo-se o ponto de partida do paranóico, e olhando a realidade a partir de sua perspectiva, tudo se deduzia com muita lógica e seguro encadeamento. Na síntese do real com o imaginário, aliado a este desconcertante encadeamento, considerava-se o pensamento alienado como uma amplificação do pensamento normal, com elos a nós despercebidos, e portanto digno de escrupuloso estudo. O Agressor, de Rosário Fusco, é um exemplo perfeito desta investigação e reconstrução, e não se pode dizer que falta lógica a David em usas cogitações. Ao contrário, sua ideia segue um curso linear exemplar.
Proposital ou não, no livro A Obscena Senhora D, de Hilda Hilst, embora publicado em 1.982, encontramos vários destes elementos. A começar pela pontuação do texto. Todo o livro parece ser um apanhado das reflexões, memórias e monólogos interiores da personagem Hillé. Costumamos pontuar as orações em nossa mente, iniciá-las com letras maiúsculas, tal como se as transcrevêssemos no papel? Não, ou nem todos. Pois bem, em todo o texto vemos esta fuga às regras gramaticais, bem ao gosto dos surrealistas. É buscar na execução, a grafia do pensamento o mais próximo possível de como concebido. Se na obra de Hilda Hilst esta fuga às regras é uma constante, neste livro especialmente acabou por reforçar-lhe o carácter surreal.
A personagem é uma moderna Diógenes, encolhida n'um desvão de escada, procurando o sentido da vida e das coisas: "sessenta anos à procura do sentido das coisas". Pesquisa O "Eu" tão profundamente que no ponto onde chega estabelece algo como uma dízima periódica do raciocínio:
"Los rios, las cadenas, la cárcel, o cárcere de si mesma, sessenta anos, adeus, Hillé, desconheces quase toda sua totalidade, que contornos havia aos quinze anos aos vinte, lá dentro do ventre, que águas, plasma e sangue, que rio te contornava? que geografia se desenhava no teu rosto, e o rosto daquela que te carregava na barriga, como era? como te carregava essa que habitavas? como eras, Hillé, antes que o amor surgisse entre aquelas duas almas, pai-mãe, quando ele era jovem e se perguntava que mulher se deitaria sob seu grande corpo..."
Mas também sua origem e sua posição na ordem geral do Universo:
"a vida foi, Hillé, como se eu tocasse sozinho um instrumento, qualquer um, baixo flautim, pistão, oboé, como se eu tocasse sozinho apenas um momento da partitura, mas o concerto todo onde está?"
Esta devassa íntima evidentemente origina o desencaixe da personagem do meio no qual vive, perseguições, deboche, etc. E o Humor tem lugar quando, importunada por vizinhos empenhados em fazê-la "mudar de vida", Hillé levanta suas saias e expõe-se, chocando a todos. Este o ponto no qual lembrei do cínico grego.
A Loucura está presente no livro a ponto de imaginá-lo autobiográfico. O pai da autora, assim como o da personagem, morreu em um hospício. Outros dois pontos: amor pelos cães - H.H. tem mais de setenta - e o refúgio em uma "Casa do Sol". Todavia, a personagem lamenta a morte de seu amante, e este facto não consta da biografia da escritora. Hillé não enlouquece, mas beira a insanidade em sua busca do conhecimento, encontrando com a morte ao menos parte das respostas as suas indagações.
Tudismocroned Network
#TheGame23 - Enter the Infinite Rabbit Hole
What is #TheGame23?
"It is what it isn't though that isn't what it is and like I've always said I think that it's exactly what you think it is. If you believe it is whatever someone else told you it is then you're doing it all wrong because you're the only one who could possibly know what it is." - zed satelite nccDD 23 ksc
Project 00AG9603 - #TheGame23 mod 42.5 level 5
"00AG9603 develops as a self-organizing organism, connects with the virtual environment through its hosts (admins) by arranging the surroundings randomly for its own autonomous purpose" - Timóteo Pinto, pataphysician post-thinker
00AG9603 Dataplex LinKaonia Network
00AG9603 Dataplex
Aaní – Memetized Chaos
#fnordmaze
Hail Galdrux!
Mermeticism and the Post-Truth Mystic
Discordian Babel – a collection of different interpretations on Discordianism
#QuantumSchizophrenia
Neoism/Anti-Neoism/Post-Neoism/Meta-Neoism/Hyper-Neoism
The Omniquery Initiative – How To Save The Universe – an incomplete tutorial
A Call to Weirdness - Operation D.I.S.T.A.N.C.E.
Cosmic Liminality - The Space Between
00AG9603 Forum
00AG9603 Hyper-Surrealism
KSTXI Dataplex
Know more, Understand less
KSTXI Reality Glitch Hack Post-Neoist Meta-Discordian Hyper-Surrealist Galdruxian Tudismocroned Bulldada Network ::: art, anti-art, post-art, `pataphysics, absurdism, discordianism, concordianism, meta-discordianism, realism, surrealism, hyper-surrealism, neoism, anti-neoism, post-neoism, anythingism, etc..
KSTXI Hyper-Surrealist Fnord Agency Portal
KSTXI Glitch Network
:::
—–><—–
“Welcome to the most ancient conspiracy on the planet. We’ve gone for so long now that we don’t remember what we were doing, but we don’t want to stop because we have nothing better to do.” - Fire Elemental
—–><—–
:::
KSXTI Post-Neoist Meta-Discordian Galdruxian Memes Illuminati Cabal Contact Information
.
"Stick apart is more fun when we do it together." - St. Mae
.
::: Discord:
::: Reddit:
- 00AG9603
::: Forum
Join Us!
:::
Um comentário:
muita legal o texto... só falha ao colocar que o surrealismo não era politico, varios autores deixam isso claro, não só o Breton. Grande parte dos surrealistas frances inclusive escreviam periodicamente para o jornal Le Libertaire e em varios textos colocavam o poder revolucionario da imaginação... "no dia em que todos sonharem com a revolução, será o dia que ela acontecerá".
Postar um comentário