por Pedro Ivo Resende
Domingo triste. Meu primo Hélio estava no hospital em estado crítico, esperando por um transplante de medula. Após alguns exames descobriram que eu era o único doador compatível. Saí de casa então para comprar jornal, devolver uns vídeos na locadora e fazer o tal do transplante. Mas foi aí que eu vi esse cartaz:
"Chegou a sua vez!
Já imaginou como seria estar cercado por belas mulheres e fazer aquele sexo sujo? Pois pare de sonhar e venha correndo para a nossa suruba. Sorteio de aparelhos eróticos, Cicciolina cover, lesbianismo gratuito.
Rua Jangadeiros, casa 40"
Peguei o primeiro táxi que apareceu na minha frente. Agüenta as pontas aí, primo Hélio! Estamos torcendo por você. E foi aí que, chegando no local, toquei a campainha e um senhor de uns sessenta anos apareceu numa janelinha da porta. Tinha um bigode enorme pendendo abaixo do nariz. Parecia que estava tentando engolir um castor. E a cauda, aquela enorme cauda, escapava pela boca.
- Sim?
- Ahnn... Aqui é Rua Jangadeiros, casa 40?
- Correto.
- Meu senhor, é a respeito de uma suruba.
- Suruba?
- Isso.
- Só um momento.
O homem fechou a janelinha. Era possível ouvir uma dessas músicas instrumentais que costumam tocar em consultórios médicos vindo lá de dentro. Após alguns instantes, ele voltou. Desta vez, junto com uma simpática senhora de cabelos grisalhos, que me convidou a entrar.
- Vamos, meu rapaz. Não se acanhe. Quer um refrigerante?
- Não, obrigado. Vem cá: é aqui que vai acontecer uma suruba?
- Sim, em alguns instantes. Por favor, me acompanhe até a sala.
Entrando na sala eu me deparei com uma cena bizarra. Um homem imenso, gordo, vestindo roupa e máscara de couro, sentado no sofá. No lugar da abertura para a boca havia um zíper. Ele segurava um chicote e parecia ter uns tiques nervosos. Putaquilparil, eu quero minha mãe.
- Este daqui é o Buba. Um ótimo rapaz. É mudo, coitado. Ele veio pelo mesmo motivo que você.
Buba soltou um grunhido. A baba escorria pelo zíper da sua máscara. Sentamos no sofá e ficamos ali vendo TV. Eu, o casal de senhores e Buba. Passava "E o Vento Levou". Queda de Atlanta, aquela porra toda pegando fogo.
- Minha senhora, somos apenas nós nesta suruba?
- Por enquanto sim, meu rapaz.
E o filme continuando. A protagonista rolava pela escada e perdia uma criança. Buba abriu o zíper da sua máscara e falou:
- Vivien Leigh está maravilhosa neste filme.
Todos nós ficamos olhando para ele. A senhora sorriu e bateu com as mãos em seu próprio colo.
- E nós achávamos que você era mudo...
- Não, não. Todo mundo sempre pensou isso. Mas é que até hoje eu nunca tinha encontrado nada de interessante para falar. Então preferia não dizer nada.
A senhora se virou para o seu marido, que lia o jornal em uma poltrona no canto da sala.
- Não é fabuloso, Jaime?
- O quê? Ah, sim, estupendo! Eu sou um constante fascinado pela condição humana.
E logo depois voltou para o nosso amigo mascarado, segurando em suas mãos:
- Buba, venha comigo, sim?
Buba grunhiu e, cambaleando feito um babuíno, desapareceu com a senhora por dentro de um corredor. Jaime continuava impassível, lendo o seu jornal. Alguns longos minutos depois, a simpática senhora apareceu de novo na sala, soltando um grito:
- Férias na Alemanha!!
Tremi no sofá de susto. Ela estava agora fantasiada com uma roupa folclórica alemã e prendia Buba em uma coleira, que por sua vez vestia um traje de tirolês por cima das suas vestimentas de couro. A senhora trazia consigo um álbum de fotografia.
- Vamos ver as fotos da viagem!?
Mais um grito e Buba, desta vez, grunhiu e regurgitou alguns goles de baba. Antes que a senhora abrisse o tal álbum ou a boca, eu já tinha saído da casa. Estava quase na rua quando encontrei essas três mulheres. Três lindas garotas, dessas que jamais dirigiriam a palavra a mim.
- Oi, por favor, é aqui que vai acontecer uma suruba?
Estava calor e pequenas gotas de suor escorriam pelo corpo delas. Eu gaguejei alguma coisa e abri a porta. As mulheres entraram e foram indo para a sala. A simpática senhora, fantasiada de alemã, fechou o álbum e exibiu um sorriso convidativo.
- Sejam bem-vindas ao nosso sexo grupal.
Eu comecei a tirar a minha roupa. Camisa, calça, sapato; foi tudo ficando pelo chão mesmo. Buba desabotoou o seu traje. A simpática senhora se livrou das roupas de alemã, revelando, em poucos instantes, as suas tetas murchas que lembravam duas azeitonas secas. As lindas garotas, tímidas a princípio, logo se animaram e começaram a tirar o sapato. E eu simplesmente não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Transar com essas mulheres seria a realização de um sonho absurdo, a concretização de uma realidade impossível. Tão impossível que, se eu realmente comesse elas, provavelmente romperia alguma lei fundamental da física. Mas aquilo estava acontecendo. As meninas se despindo, tirando as camisas... O clima de erotismo invadia a sala. A única figura que destoava daquela cena era o nosso amigo Jaime, que permanecia sentado na sua poltrona. E logo quando as meninas iam se livrar do soutien, ele se levantou e disse:
- Meus caros, e se dançássemos a polca?
"A polca?". "É, aquela dança tradicional da Polônia". Todos adoraram a idéia. Eu ali, semi-nu, cercado por lindas mulheres e a simpática senhora filha de uma puta indo pôr um disco de polca na vitrola. Ainda com suas tetas murchas expostas, ela começa a estalar os dedos para aquela música estúpida. As garotas, Buba, Jaime e a simpática senhora formaram pares de dança. E eu não tinha ninguém para dançar. Eu não conhecia a polca. Eu não ia comer ninguém. Era hora de ir embora. Precisava ainda fazer um transplante. Olhei para TV e vi que "E o Vento Levou..." estava acabando. Porra, as fitas de vídeo! Precisava devolver as malditas fitas de vídeo. Bem, deixa o transplante para depois então. Porque, como diria Scarlett O´Hara, amanhã é um novo dia, primo Hélio, amanhã é um novo dia...
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Um comentário:
excelente! de uma narratividade muito bem estruturada e um muito bem dosado imprevisto. parabéns
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