Era uma vez, uma
ilha tomada e comandada por lhamas. Nenhuma delas escovava os dentes, pois não
achavam necessário. Cada qual tinha seu par de bengalas e seu colete cervical,
e agora a moda era usar um chiclete mascado na ponta do nariz.
Um dia, uma delas resolveu sair da ilha. As
outras lhamas pensaram: “Mas que absurdo, azeitonas não têm caroço!” e isso
deixava a lhama que saiu, muito triste. Ela sabia que teria de aceitar as
consequências de sua escolha agora que estava sozinha. A sociedade das lhamas
enojava todas as que saiam da ilha, e não aceitava de forma alguma que qualquer
uma delas retornasse. Bergamota, a lhama viajante, se foi pra todo sempre e as
outras ficaram para trás jogando xadrez, tomando chá com baratas e fincando
cabeças humanas em estacas. Enfim, sendo felizes.
Agora Bergamota
estava só, com apenas um capacete de queijo entre as orelhas e uns três
biscoitos de alho poró no bolso. “É bastante dinheiro, dará para duas semanas
ou mais”, pensou ela.
O rumor foi
espalhado pelos besouros: “Mas como essa desgraça dessa lhama saiu da ilha,
sendo que é popularmente sabido que nenhuma delas sabe nadar e que a todas lhe
faltam polegares opositores para construir barcos?”. A resposta eu lhes dou:
Saiu voando! Não é isso que as lhamas fazem, ora bolas?
Ela voou durante
três dias enquanto a luz diurna banhava o mar de groselha, os vales de pudim,
os picos de sorvete de baunilha e a floresta de chaves-de-fenda. Sempre
procurava abrigo quando a noite chegava. Sabia desde que seu primeiro tufo de
pelos lhe preenchera as costa, que a noite era das criaturas libertinas, vis e
sádicas que se drogavam com luzes artificiais e promoviam bacanais
estroboscópios.
Enfim, ela chegou ao
continente e foi morar dentro de uma caneca espaçosa na cidade de Câncer, que
era bem parecida com Peste Bubônica, mas tinha mais galões de oxigênio (o que
era de certo modo mais legal). Se estabelecer lá foi bem mais difícil do que o
esperado. O biscoito de alho poró, não era a moeda corrente no continente. Lá
eles usavam miçangas-multicoloridas. Na casa de câmbio, seus três biscoitos
deram para apenas uma miçanga dourada, que foi gasta aos poucos, mas que não
durou muito tempo. Como consequência da falta de planejamento financeiro, tomaram-lhe
a caneca com uma ordem de despejo e ela foi parar na sarjeta (guardem bem essa
lição, crianças).
Logo ela estava no
sujo mundo das luminárias entorpecentes.
Aprendeu que, com um
pouco de influência na comunidade sub mundana, podia se encontrar luminárias de
todo tipo. Cada qual com seu efeito. A famigerada luminária-de-mesa-de-consultório-odontológico era de longe a mais
devastadora, e por isso, a mais popular. E a preferida de Bergamota, que
trocando favores, um dia conseguiu ter sua própria.
Quem passava pelas
imundas ruas daquele lugar, podia facilmente vê-la atirada ao chão pedindo por
uma tomada onde pudesse ligar sua luminária por alguns minutos. Alguns dizem
que houve uma vez em que ela se deixou aproveitar por um gafanhoto (tudo porque
ele lhe havia concedido dois dias ininterruptos de tomada liberada). Outros
dizem que vez ou outra, era possível vê-la acompanhada por uma nuvem de
vaga-lumes conhecidos por cobrarem um preço camarada.
A vida de Bergamota
se resumiu à libertinagem por durante muito tempo. Um dia, após ter de recorrer
desesperadamente à luz stand-by de um
VHS abandonado, ela se deu conta: “Puxa vida! Azeitonas não têm caroço!”.
Foi uma caminhada
difícil para sair do mundo das luzes artificiais. Ela viu que precisava de
ajuda e se juntou ao grupo de apoio Irmãos da Escuridão, qual lema era: “O Sol
é nosso irmão, na noite só haverá escuridão”. Lá ela aprendeu a controlar seus
impulsos e a se acostumar novamente com a luz diurna.
O tempo passou e
finalmente Bergamota se curou de seu vício. Agora era uma lhama renovada, com
novos planos. Resolveu que abriria uma cafeteria onde venderia jujubas e nada
mais. Afinal, era uma cafeteria.
Agora que sabia como
administrar suas miçangas, começou o pequeno negócio numa casinha na árvore. Tudo
teria de ser feito usando salto alto. As jujubas são muito sensíveis.
Era um dia de
trabalho comum, os clientes iam e vinham da cafeteria e deixavam lá suas
preciosas miçangas. Bergamota se sentia muito bem, mas de repente ela escutou
um sussurro. Não, não era um sussurro... Era um vento de memórias. Ah...
como ela chorou! Chorou um rio, porque naquele momento tirou um fio de barbante
magenta de trás das orelhas e se lembrou do Abacaxi que tinha conhecido uns
três fósforos atrás (e nossa, como os fósforos passam rápido!). Lembrava como
se fosse ontem. Foi numa festa de Nossa Senhora Das Impressoras Desfalecidas
que ela tinha o visto pela primeira vez. Ele fazia parte de uma trupe de
artistas nômades e os dois pensaram até em fugir juntos, mas Bergamota era
muito nova, e sua mãe ainda era viva. Logo ela descobriu e proibiu a filha de
ir. O Abacaxi jurou que a reencontraria um dia, não importava onde ela
estivesse.
Coincidentemente, o
Abacaxi se lembrara dela também naquele mesmo instante. Mas depois de tantos
pães de queijo e gotas de chuva, era difícil saber se valia a pena tentar
reencontrar aquela lhama biruta.
Os dias se passaram
como se passa tinta numa parede de lodo. Os negócios iam de vento em popa, e a
cafeteria agora ficava numa imensa construção inflável. Tudo ia muito bem, mas
Bergamota ainda se pegava recordando do Abacaxi vez ou outra. Quando isso
acontecia, as jujubas ficavam inquietas e chorosas.
Numa manhã de sol
forte, a lhama começou a sentir calafrios. Alguma coisa estava errada, algo
iria acontecer. Ela teve vontade de pegar o primeiro louva-deus automático que
passasse, e sair dali tão rápido quanto um espirro de tuberculose, mas não podia.
Algo a prendia em Câncer. De uns tempos pra cá, afim de tentar se esquecer do
Abacaxi, Bergamota passou a aceitar os gracejos de uma certa Almofada-de-Alfinetes
muito gentil e poética. Ela não poderia simplesmente assoprar os alfinetes e
esperar que tudo ficasse bem.
Do outro lado da
história, o abacaxi também sentiu calafrios, mas ao contrário de Bergamota,
tomou um vidro inteiro de Decisão
Concreta. A bebida mal lhe caiu no estômago e ele já sabia o que fazer.
Pegou seu barriu flutuante e saiu da ilha dos abacaxis, cruzando os sete edredons
aguados da insanidade e enfrentando muita névoa amarga no trajeto. Mesmo assim,
continuava sem nem pensar em voltar. “Vale a pena” - ele dizia a si mesmo- “eu
preciso dar um oi e umas amêndoas a ela. Se não fizer isso, prefiro ir pro
alcaçuz que me parta e crepitar em suas chamas eternas”.
No continente,
Bergamota já não podia mais se aguentar. Alguma coisa estava acontecendo, ela
sabia. Ela se sentia angustiada e seu coração tinha virado uma uva-passa. A
Almofada-de-Alfinetes não era boba e percebeu o vazamento de melancolia na
lhama. Chamou-a para uma conversa e a companheira lhe revelou tudo. A almofada
foi benevolente e Bergamota até se surpreendeu com a compreensão dela. De um
modo desconhecido para as duas, elas sempre tiveram certeza, assim como A e Y
são ESTE, de aquele dia chegaria. Era uma questão de cordas vocais até tudo
acontecer. Resolveram que iriam se separar.
Dalí em diante,
Bergamota foi a mesma, mas mudou de cor. Não mais queria aquele castanho
pálido, precisava de mudanças, se sentia diferente. Agora usava branco com
pintinhas pretas, a mesma cor que usava quando conheceu o Abacaxi. Pensava nele
todos os dias agora, e vez ou outra perguntava aqui ou ali, se não tinham visto
um Abacaxi.
Após meses de
viagem, o Abacaxi finalmente chegou ao continente e foi logo atrás de algo que
fosse uma pista do paradeiro de sua lhama querida. Algo lhe dizia que ela não
estava mais na ilha das lhamas, pois então só poderia estar ali. Mas antes de
tudo, precisava repor suas energias.
Parado debaixo da
sombra de uma árvore para descansar suas coroa de folhas, ele pensou: “Jujubas
me cairiam bem agora. Onde será que encontro uma cafeteria?”. O pensamento saiu
voando e foi parar no balcão de uma sapataria que funcionava bem ali, numa
casinha na copa daquela árvore. O Cavalete-de-Pintura, que era o sapateiro, viu
o pensamento entrar pela janela e parar em seu balcão. O leu e saiu à janela
para procurar quem havia pensado naquilo. Viu então o Abacaxi ali em baixo da
árvore.
-Oi! Você por acaso
pensou numa cafeteria, meu rapaz?
O Abacaxi tomado de
surpresa olhou para cima e viu o Cavalete esperando que ele lhe desse uma
resposta.
-Sim, fui eu, sim
Senhor!
O sapateiro então
lhe disse que ali naquele lugar onde era sua sapataria, no passado havia
funcionado uma cafeteria, que agora tinha mudado seu endereço para a colina
seguinte.
-Não é muito longe,
você consegue chegar lá sem se cansar muito- disse o sapateiro.
-Obrigado pela
ajuda!- disse o Abacaxi e se foi andando na direção da colina seguinte. Não
teve dificuldade em achar a cafeteria e logo que a avistou, saiu correndo e abriu
as condolências do lugar, que rangeram lamuriosas de suas dobradiças
enferrujadas.
Já quase
desfalecido, ele pediu um punhado de jujubas de limão. As jujubas lhe foram
entregues e ele viu como eram boas e suculentas.
-Oh, pela Deusa
Maior, de quem são as mãos que cuidam tão bem dessas jujubas? – Ele em voz alta
exclamou.
- São minhas-
Bergamota respondeu assim que saia esbaforida de sua sala de preparo das
jujubas. Reconhecera a voz de seu estimado Abacaxi e saíra correndo para
constatar com seus olhos, o que seus ouvidos não queriam acreditar.
O susto foi TÃO
GIGANTESCAMENTE GRANDE que se você procurar bem, ainda conseguirá achar uma de
suas pintas rolando por ai. Aquilo era real? Como podia? Desafiava todas as
leis aerodinâmicas das fiadeiras originais! Não era possível !
Eles ficaram se
olhando profundamente por muitos botões (e por profundamente eu quero dizer BEM
profundamente. Como um buraco daqui até a terra das malignas fendas
atemporais). E depois desses incontáveis minutos, eles se aproximaram um do
outro e...
Trrrrriiiiiiiiiiimmmmm!!!!
Ouviram? ...Parece-me
a sirene do fim.
O QUE?! QUEM VOCÊ
PENSA QUE É PRA TERMINAR ESSA HISTÓRIA AQUI? NÃO! ONDE VOCÊ VAI?! VOLTE A
ESCREVER SUA LOUCA!
ESPERE!
VOLTE!!
ESPERE!!! PRENDAM
ESSA MULHER!