O
termo "consciência convencional" diz respeito a exatamente o quê? Há
uma consciência última em oposição a ela? O que as diferenciaria? Alan
Wallace quando esteve no Brasil falou em três: consciência grosseira,
consciência sutil e consciência última.A consciência grosseira é a nossa
identificação com os sentidos físicos e os pensamentos e emoções. É ela
que produz, na sua confusão, a noção de um "eu". Ela possui uma
continuidade extremamente restrita.A consciência sutil são os padrões
cármicos arraigados que produzem consciências grosseiras vida após vida.
Sua continuidade é maior, mas não ilimitada.A consciência última é o
aspecto luminoso da vacuidade. Quando se diz "vazio é forma" está se
referindo a isso, ou também quando se diz que o dharmakaya é prenhe de
todas as possibilidades.A disputa entre as escolas se resume em quatro
posições:1) Visto que é possível transformar esta terceira consciência
num objeto e reificá-lo, algumas formas de budismo se apegam ao antídoto
e produzem uma negação quanto a esse conceito.2) De uma forma um pouco
mais sofisticada, algumas tradições afirmam coisas tais como "natureza
de buda", etc. Isso equivale a praticar de forma não-causal e abandonar a
noção de um resultado, já que o resultado está presente desde o
"princípio sem princípio".3) A posição de Nagarjuna como interpretada
por Chandrakirti, porém, não cai em nenhum extremo de afirmação ou
negação, e apenas revela esta natureza através de "domar tudo a ser
domado", mostrando o equívoco na manutenção de qualquer fixação a
doutrinas.4) A partir da posição de Nagarjuna, todas as diferentes
doutrinas surgem como meios hábeis a serem utilizados em relação a
necessidade dos seres. Assim, como não há antídoto a ser aplicado ou
aperfeiçoamento a fazer, nada é desperdiçado.Encontraremos por todo lado
praticantes e professores do dharma mais ou menos fixados em qualquer
uma das quatro formas, seja por ação compassiva de ensinar aquilo que os
seres precisam e não o que ainda não são capazes de entender, seja
porque eles ainda mantém fixações a teorias e sustentam suas opiniões.
Creio que é noção comum que o próprio Buda ensinou das quatro formas
simultaneamente, mas como não somos oniscientes, em geral surge um carma
de preferência e a necessidade de defender idéias desse ou daquele tipo
e aplicar antídotos. ...Nesse âmbito, tudo soa nonsense. Quando nos
referimos a "mente", estamos falando dela como um objeto, mas a mente
"última" é a fonte de sujeito e objeto, ou ainda, a coemergência de
sujeito e objeto, e em nada difere da própria vacuidade.Porém, até mesmo
"vacuidade" pode se tornar um ponto de fixação. Algumas professores até
mesmo dizem que um sutra como o Prajnaparamita ainda revela uma leve
tendência niilista, apesar do "vazio é forma, forma é vazio". Eu
discordo deles, porém a questão da luminosidade do vazio só vai ficar
realmente clara em textos tais como o Uttaratantra de Maitreya. De uma
forma mais simples, se pode dizer apenas que todos os conceitos são
meios hábeis, e não pode haver um conceito cujo sentido em si seja o
entendimento ou realização daquilo que nos interessa, o dharma. Quer
dizer, o vajrayana brinca com isso através do próprio termo "vajra" —
mas isso é um meio hábil que algumas pessoas de bom mérito podem
usufruir, não é meu caso. Em certo sentido, vajra, mente última,
vacuidade, natureza de buda, perfeição da sabedoria, grande perfeição,
nirvana, dharmakaya, etc — embora não sejam a mesma coisa, referem-se a
mesma coisa, a qual não pode ser perfeitamente adequada a qualquer
conceito. E é claro, se quisermos ir mais longe, em outras tradições
religiosas, por exemplo, com certeza encontramos muito mais palavras. É
muito importante que não achemos que prática espiritual é ficar
descobrindo novas palavras e novas conexões entre as palavras. Descobrir
que Fulano é outro nome para Beltrano não diz nada a respeito de
conhecer a pessoa, chamemos ela de Fulano ou Beltrano. Há uma natureza
última da consciência a ser conhecida e/ou realizada ou uma consciência
última?As duas perspectivas existem, as duas não são definitivas, a
segunda é mais sofisticada que a primeira. A prática pode ocorrer de
forma causal, em que buscamos algo, ou de forma não-causal, em que
usufruimos de algo. A prática causal é feita com grande esforço, e leva
um longo tempo. Em termos não-causais, ela pode ser sem esforço ou com
esforço. A prática sem esforço é melhor, para aqueles que são capazes
dela. Para pessoas como eu, porém, isso são só palavras a que eu me
apego. Porém cabe sempre lembrar que enquanto houver a noção de que algo
esteja acontecendo, sendo descoberto, realizado, ou que nos dê qualquer
espécie de conforto ou segurança, devemos perceber que isso é apenas um
sonho, e assim não nos vincularmos a nenhuma espécie de fenômeno
particular. As teorias filosóficas, o chocolate e o sexo estão nessa
categoria.
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